ASN BA
Compartilhe

Empresários baianos falam sobre negócios de impacto social focados na população negra

Série Sebrae é pelo Brasil apresenta como histórias de empreendedorismo estão transformando vidas pelo país
Por Cristiana Fernandes
ASN BA
Compartilhe

Com mediação de Ana Cânedo, do Sebrae, encontro reuniu Geo Nunes, Najara Black e Igor LeonardoPara apresentar a força do empreendedor brasileiro, a série Sebrae é pelo Brasil está promovendo encontros on-line para contar histórias de empreendedores de todo o Brasil, de diferentes perfis, suas trajetórias de superação, de sucesso e como o empreendedorismo está transformando vidas. Na última terça-feira (11), a Bahia foi representada por Geo Nunes, idealizadora do ateliê Amora Brinquedos Afirmativos, Igor Leonardo, sócio da health tech AfroSaúde, e por Najara Black, criadora da marca de roupas NBlack. A mediação do encontro foi feita por Ana Canêdo, analista do Sebrae.

Mesmo sendo o estado mais negro do Brasil, empresários que decidem empreender na Bahia, tendo em vista o impacto social, ainda passam por muitas dificuldades. Na visão de Geo Nunes, os impasses para empreender na área social vão além de só monetizar para gerir a empresa. “Precisa estar no seu modelo de operação. Sem isso, não é possível devolver para a comunidade e nem manter a empresa de forma sustentável”, avalia.

Embora as startups façam parte de um ecossistema em ascensão, por buscar explorar atividades inovadoras no mercado, a adversidade encontrada pelo AfroSaúde ainda é uma velha conhecida dos empreendedores negros: a falta de investimento. “A gente vê startups criadas por pessoas não negras, nas quais o impacto social é quase zero, buscam somente gerar lucro, contudo conseguem escalar, deslanchar de uma forma muito mais rápida, do que startups que são capitaneadas e focadas na comunidade negra”, exemplifica Igor Leonardo.

Esse também foi o principal obstáculo encontrado por Najara Black. “Quando fui para a loja física, conseguir um empréstimo no banco era uma dificuldade muito grande. Tive que provar ao banco que o meu trabalho era diferenciado, era moda e que tinha representatividade muito forte no mercado. Precisei fazer as pessoas acreditarem que o meu trabalho era politicamente importante”, relembra.

Mas esses empreendimentos não foram escolhidos para representar a Bahia por um acaso. Conheça a trajetória de cada negócio.

Feito é melhor que perfeito

Através do ateliê Amora Brinquedos Afirmativos, Geo Nunes tem como missão levar representatividade por meio da venda e doação de brinquedos. Em 2015, ela precisou comprar bonecas pretas e não encontrava com a mesma facilidade que achava as bonecas não pretas no mercado. Geo, então, chegou concluiu “Já que não tem, eu vou produzir”.

No começou, confeccionava para doar, mas logo entrou em contato com o Sebrae para se formalizar e entender melhor do negócio que estava criando. Com ajuda da instituição, fez um plano de negócio e escolheu o melhor modelo de operação. Hoje, o Amora não é mais uma loja de brinquedos. A empresária define o ateliê como uma tecnologia social devido à condição de venda adotada, na qual, a cada amora vendida, um outro brinquedo afirmativo é distribuído gratuitamente para escolas públicas.

“A gente permeia o universo lúdico da criança com histórias da cultura africana e afro-brasileira. Ao final dos eventos, fazemos a doação de brinquedos às escolas para que possam ser utilizados como ferramenta pedagógica, antirracista”, explica Geo. Ela ainda destaca que toda a atividade desenvolvida está em consonância com a Lei 10.639/2003, que incluiu no currículo da rede de ensino público e privado a obrigatoriedade da abordagem da história e cultura afro-brasileira e africana.

Em 2019, o evento “Eu brinco, eu existo” foi realizado em 12 escolas e mais de quatro mil crianças foram impactadas com a distribuição dos brinquedos afirmativos. Para Geo, o maior impacto do Amora é subjetivo e vem através do depoimento de professoras e coordenadoras pedagógicas ao relatarem que, após o contato com os brinquedos, os estudantes conseguiram se reconhecer enquanto crianças negras e perceber a sua beleza. “Quando a criança brinca, ela se reconhece quanto protagonista da sua história. E quando brinca com um brinquedo semelhante a ela, a criança brinca e existe naquele momento”, ressalta.

Durante a pandemia, o ateliê precisou se adaptar e além de jogos on-line, passou a produzir canecas e a desenvolver o movimento Preto Livro, que realiza curadoria e venda de literatura infantil africana e afro-brasileira e, também, um podcast com a contação de histórias dos livros. “Uma das coisas que a gente aprendeu com a pandemia é que ‘feito é melhor que perfeito’. A ideia não vale nada se ela for só uma ideia. Então, vamos fazer, jogar para o mundo, que o mundo devolve”, aconselha.

Erre, mas erre rápido

Mesmo tão jovem no segmento das startups, a AfroSaúde mostrou que a inquietação não foi apenas o ponto de partida para a criação da heath teach e, rapidamente, encontrou uma forma de atuar durante a pandemia do novo coronavírus. Através do projeto Telecorona, viabilizado por meio de financiamento coletivo, a AfroSaúde oferece atendimento remoto, nas diversas áreas de saúde, às comunidades periféricas do país, que em sua maioria é negra. Ao ligar para um número 0800, o paciente passa por orientações gratuitas e pode tirar dúvidas sobre o coronavírus e outras questões com profissionais negros.

Em 2019, ano de criação da AfroSaúde, os sócios Arthur Igor Lima e Igor Leonardo participaram do Desafio Sebrae Like a Boss, uma competição voltada para startups e ficaram em terceiro lugar, num universo de 18 participantes. Então, perceberam que a criação de uma plataforma que pudesse conectar pacientes a profissionais de saúde negros, era um negócio viável e, com o tempo, perceberam que poderiam entregar muito mais.

“Desde o início, o Sebrae tem sido um parceiro muito importante nos momentos em que mais precisamos. José Soares [analista do Sebrae Bahia] foi a primeira pessoa que olhou para a gente e disse ‘vai que vai dar certo’, num momento que achávamos que era loucura da nossa cabeça. Até hoje, quando a gente precisa, o Sebrae está sempre disposto a ajudar”, reconhece Igor.

Com a pandemia, a construção da plataforma da AfroSaúde precisou parar, porém já existem quase 1.200 profissionais cadastrados. No momento, os sócios estão trabalhando na elaboração de outros produtos dedicados a tornar a telemedicina acessível para a população mais pobre.

“Nós fomos nos tornando uma helth teach de impacto social, focada em desenvolver soluções tecnológicas em serviços de saúde para a população negra. Pensando em todo esse problema do racismo estrutural, buscamos dar visibilidade ao profissional de saúde, conectá-lo a pacientes que buscam também por representatividade e equidade no ambiente de saúde, além de um atendimento mais qualificado”, explicou.

Igor acrescenta que a AfroSaúde está inserida em dois universos nos quais a presença da população negra ainda é ínfima: a saúde e a tecnologia. Para quem quer começar a empreender, ele aconselha: “É fundamental acreditar. No universo das startups, por exemplo, a gente diz: ‘erre, mas erre rápido’. Num mundo com muitas informações, é obrigatório você errar, mas precisa agir rápido”, finaliza.

Nada pode nos parar

“Não quero trabalhar para ninguém, quero trabalhar para mim”. Essa foi a decisão que Najara Black precisou tomar, aos 22 anos, quando procurava emprego e não se encaixava nos perfis das vagas. Foi quando criou uma marca de bijuterias, que deu certo, mas ainda não “fazia os olhos brilharem”, segundo ela. Em 2005, decidiu montar uma loja de roupas, mas iniciou sem conhecimento de mercado, costura ou moda, apenas com o desejo de começar. “No início, ouvi que a marca não passaria de um mês, que seria uma coisa passageira e já vai completar 15 anos de mercado”, expõe, com orgulho.

A NBlack surgiu no mercado para suprir uma demanda do público negro, com a proposta de representar todos os corpos de maneira plural. Uma marca que faz com que a moda seja um espaço para trabalhar questões de autoestima, empoderamento, pertencimento, estética, beleza e visão de mundo.

“Quando comecei, fiquei sete anos vendendo em casa e quando eu fui para a loja física, o Sebrae ‘colou’ comigo. Direto tinha consultores orientando a fazer curso, planejamento. Mas, em 2014, surgiu a primeira parceria, de fato, quando fui convidada para palestrar em um evento só para mulheres. Lá, percebi que eu deveria falar mais sobre a minha história porque ela inspirava a outras pessoas a acreditarem nos seus sonhos”.

Depois de quase quebrar a empresa pela terceira vez, mas ter se recuperado por acumular bastante experiência e vivência de mercado, Najara estimula àqueles que querem começar algo novo. Para ela, é importante tirar a ideia do papel, experimentar. E para quem já está no comércio, mas passa por dificuldades, ela enfatiza: “Entenda que nada pode nos parar. Obstáculos podem surgir, mas somos fortes, resilientes e vamos passar por eles. Acredite no seu negócio, porque você faz com que as outras pessoas acreditem também”.

  • Afro Empreendedorismo;